Essa noite comerei sua alma


I

"Quebrando a lei desde noventa e seis" foi o que ouviu de manhã antes de descontar um pouco do que recebeu no mundo. Zumbis do espaço, a única coisa decente a nascer na cidade cinza. Algo que um adolescente rejeitado gostaria. Rock and Roll.
Tito era seu apelido. O nome de batismo nem mesmo ele queria usar. E não tinha por que depois de ter se alimentado dos pais. Talvez o velho avô fosse um nobre motivo, mas ele não queria envergonhar mais ainda o pobre velho. Tito sentia fome, e uma fome tão atroz que só carne humana o saciava. Por um tempo.
Vivia embaixo dos viadutos à noite e hibernava durante o dia. Conhecia cada buraco sujo da cidade. E havia muitos deles. Muitos deles.
Ele era mais que algum tipo de monstro e quando olhava para o céu lembrava-se que nada o levaria até lá. Gostava do violento e do sórdido e toda carnificina era pouca para seu ávido apetite. Começou a matar quando as duas presas de seu pescoço apontaram. Foi quando teve que se abster da sociedade humana e procurar por carne no lixo. Experimentou sangue pela primeira vez com os absorventes de uma prima. Pareceu a ele um suco denso e delicioso; geleificado que ele gostaria de ter há todo momento. Logo ele a pegou e sugou-a até que esvaísse a última gota.
Seguindo a linha do trem é onde ele mora. Num buraco sujo onde se criam ratos para comer quando a polícia está em seu encalço. É quase um mutante, mas é de tal modo feio e horrendo que chega a ser sensacional. Tito é fruto de um pesadelo de sua mãe. Um tão terrível que chamou a atenção de Lúcifer para a jovem Maria. Sua mãe era lésbica, mas mantinha relações com seu pai para comprar craque. Quando ele nasceu comeu sua própria placenta. Só não comeu a própria mãe por precisar se alimentar de seus peitos. Ainda assim, arrancou os dois mamilos mutilando-a antes de completar um ano.
O tempo passou e suas presas cresceram. Maria o levou a um dentista para que fossem cerradas. O pequeno gritou como gritaria um anjo ao ter as asas cortadas. Depois voltou para casa, certo de que a mataria também.
Seu dia de caçar era sexta-feira. O dia que todo homem e mulher, garoto e garota tentava transar. Ele detestava o sexo que não podia ter a não senão à força. Fazia muito disso e não costumava escolher entre homens e mulheres. Violava a todos com seu pênis ósseo e espinhoso. Se a relação não matasse a vítima provavelmente a infecção o faria em dias.
Nas primeiras tentativas Tito explodia em lágrimas depois de cada incursão pelo mundo dos humanos sem saber onde se encaixava na cadeia alimentar. Seu avô penalizado por sua vida desgraçada era quem dava a ele algum traço de humanidade. Ensinou-o a ler e a escrever, e a admirar filmes e músicas. O único passatempo do pobre bezerro de bronze. O avô de Tito acreditava que ele tinha uma missão, nem que fosse mostrar para toda a raça humana onde acabariam com sua atroz sodomização e luxúria. O garoto era fruto de cada olhar bravio da cidade, de virgens violentadas nos subúrbios e nas áreas rurais que viram virilhas adubando a terra com sangue. A cidade cinza era onde ele morava e todos sabiam quando a lua ficaria vermelha. Alguns fingiam ser tudo parte das lendas daquele lugar patético e recheado de peões de fábrica e mulheres decadentes, mas o velho enxergava justiça. A justiça que só o sangue derramado traz. Encarou a morte dos pais do garoto como parte de seu treinamento. Sendo filho de quem era não tinha a capacidade de ser diferente, matar para Tito era parte de seu DNA. A parte boa. A parte ruim era a herdada pela mãe: o vício em matar; insaciável.
O velho de modos simples fazia o que podia para aplacar a crescente violência no neto. Passava semanas caçando gatos e cães para aplacar sua fome. Até um cavalo roubara certa vez, foi quando o garoto fez quinze anos. Já que não pode dar uma festa a ele, dera um belo jantar. Tito o comeu ainda vivo. Acompanhado depois de uma prostituta, mas longe dos olhos do velho que dormiu embriagado.
Seu Osmar — o avô — não entendia direito o que se passava com o neto, mas como não tinha mais nada da vida desde que perdera a esposa na porta do ambulatório — por uma parada cardíaca sem atendimento —, acabava por dedicar-se a ele. E toda semana pensava em como alimentá-lo antes da sexta-feira.
E já era outra quinta.

II

Noutro canto da cidade cinza, o inspetor de polícia Rubens saía da igreja com sua esposa. Missa de sétimo dia da filha de Tenório. Um bom homem, mas infelizmente machista demais. Acabou sem perceber jogando a filha nos piores braços da cidade. A garota morreu de overdose pesando vinte quilos a menos do que tinha ao conhecer a cocaína. Ainda assim a morrera com um sorriso nos lábios. Seu namorado, um traficante e gigolô chamado Quevinho também, porém aberto na bala. Dentista nenhum nesse mundo seria capaz de reconhecer aquela arcada.
— Tadinha da moça — disse Cassandra. Via fotos num tipo de mural de homenagem de quase dois metros. As fotos de criança até que eram bonitas, mas... A pobre menina parecia uma santa mexicana, cheia de rendas e flores dentro do caixão. Não entendia como os pais acharam que fotos dela morta fariam algum bem à moça (ou a eles...).
— Não sei se tenho pena dela. Apesar do Tenório ser um grande desgraçado com as meninas, acho que ele está pior que o corpo da filha. Ninguém deveria ver o filho morrer. É antinatural. Mesmo para um animal feito o Tenório.
— Que jeito de falar... Nem parece que são amigos.
— Eu ser amigo dele não faz do homem um santo, Cassandra. E tem mais, se ele não mudar seu jeito, logo-logo vai ter a outra filha embaixo da terra.
— Que horror... Acha que foi mesmo overdose?
— Foi o que disse o IML, não foi?
— Eu sei, mas é que correram boatos e...
— Então não ajude a colocar no jornal, Cassi. Boato em boca de mulher de polícia vira fato — continuou caminhando em direção a uma aglomeração de pessoas. A igreja estava cheia.
O pai da garota estava logo à frente do casal. Arroxeado de tanto chorar. Ele não tinha mais lágrimas, somente soluços. Um farrapo de homem consumido por cada palavra dura que gastou nos ouvidos da filha — e ele sabia que não foram poucas. Tenório era um homem forte, com alguma descendência italiana e cabelos algodoados. Era dono de uma agência de automóveis na cidade e conhecido por gostar de se perder com as mulheres do prostíbulo. Não que precisasse disso com sua bela esposa. Em boca pequena diziam que a mãe dava uma surra nas filhas com seu corpo forte. Tinha bustos fartos e as ruguinhas ao redor da boca enorme só aumentavam seu “Sex Appeal”.
— Minhas condolências, Tenório.
Depois de manchar com água salgada os ombros da camisa de Rubens, Tenório conteve o choro. Difícil era saber se eram as saideiras lágrimas ou suor, com o calor do dia dentro da igreja.
— Lembra que eu sempre dizia que vocês deviam ter filhos?
— Claro que sim — respondeu Rubens. Cassandra conversava com a mãe da garota morta. Jussara estava fria como uma rocha. Aparentemente seu coração morrera junto com a filha.
— Nunca faça isso, meu amigo — respondeu para si mesmo. — Nunca tenha um filho; toda alegria que ele te der na vida vai ser metade da dor dele indo embora. Minha garotinha está debaixo da terra, Rubens — continuou coma voz de novo embargada. — Sabia que nós colocamos um cobertor para ela não sentir mais frio? Será que resolve? Será que ela ainda sente frio?
— Suas orações vão cuidar disso Tenório, tenho certeza — disse Rubens lançando mão da fé que conhecia por livros. Não acreditava em Deus ou nada disso. Sua crença era que alguns homens nascem bons, outros maus e que demônios e anjos eram tão reais quanto às profecias de fim do mundo e extraterrestres. Coisas que vendem livros e mantém escritores malucos e sortudos milionários. Ele realmente gostaria de acreditar em outra coisa, mas não era capaz, não sem provas.
— Ela estava tão sorridente no caixão, parecia tão viva — terminou o pai.
A isso Rubens não respondeu nada. Não conseguiria dizer que ela morrera em paz. Se existia alguma felicidade naquele rosto esquálido e ressequido era por ter se livrado do pai ou oriundo do cachimbo de crack.
Logo tomou a esposa e deixou a igreja e as condolências.
Agora era ir pra casa e estudar o maldito caso que tirava seu sossego há anos. O “Comedor de Carne”. O batismo do homicida surgiu numa brincadeira de policiais bêbados no churrasco de comemoração da aposentadora do velho Noretto. Mais de quarenta anos na corporação sem disparar um tiro. Provavelmente um recorde.
Comedor — resmungou na direção do carro, Rubens. Por sorte Cassandra estava perdida em pensamentos e não percebeu. Não queria trocar figurinhas policiais com a esposa. Cassandra como muitas esposas de policiais, vivia para contrariá-lo e cobrar o tempo que não dedicava a ela.
E aquele maníaco filho da mãe era esperto. Quando estavam em seu encalço parecia sentir o cheiro do distintivo e encerrava os assassinatos. Depois de um breve relaxamento nas investigações era só esperar: Dilacerações, decapitações, remoção de órgãos, ossos esmigalhados na linha do trem, restos de esperma e sangue misturados. Certa vez o safado fez uma espécie de criatura hibrida para se saciar, com corpo de mulher e cabeça de Rottweiler, a coisa tinha um rabo enfiado no ânus da moça e estava banhado com sangue e sêmen. O assassino usou daquela monstruosidade por dias, esperando que apodrecesse enquanto ele se chafurdava em necrofilia.
Noutras vezes, ele simplesmente parava de agir por meses e a cidade dormia sem sangue nas ruas. Constantemente selecionava vítimas e em outras destruía o próprio padrão. O único padrão quase persistente que ainda resistia era seu asco religioso. O comedor de carne gostava de inserir artefatos religiosos nos olhos, vaginas e ânus de suas vítimas. E não se limitava a pequenos crucifixos. Chegaram a achar bíblias de tamanho médio empalando homens e estátuas de santos e Deus! O que Rubens viu fora o suficiente para apagar qualquer traço de fé que resistisse à escuridão de seu coração. Um homem mau não permitiria aquelas coisas. Gengis-Kan não permitiria isso sendo aconselhado por Calígula. Quiçá Deus.
Completamente enterrado na lama sangrenta do Comedor de Carne estava Rubens, um policial quase honesto, estéril como um jumento que tentava dar algum gozo a esposa destituída de prazer na vida. Também pudera, Rubens era quase impotente além de estéril. Quase, porque desde a descoberta do Viagra 100mg conseguia manter-se ereto por dez, quinze minutos. Não o suficiente para fazer a pobre Cassandra feliz, mas o suficiente para entrar nela.

III

A noite veio depressa naquela quinta. Toda aquela conversa de morte e igreja contribuiu para isso. E também o fato de ser quinta-feira. Um dia decisivo para o policial encarregado do Comedor de Carne. Como o desgraçado adorava as sextas-feiras, a véspera havia se tornado o dia de traçar planos e torcer para encontrar algo que não tivesse visto antes. Um detalhe, um deslize, um maldito dedo do acaso que entregasse aquele animal a justiça da sociedade.
Era entediante rever todas as provas. Não somente pela repetição, mas pelo teor que as imagens mostravam. A primeira vítima encontrada fora Mariane. Vinte e dois anos e um corpo que arrancaria suspiros de um padre. Para traçar o perfil daquele monstro o policial tinha fotos de antes e depois de cada vítima. Aquela em particular parece ter sido especial para o maníaco.
O que os homens de uniforme encontraram foi um tronco profanado de todas as formas possíveis. Onde deviam estar braços e pernas havia buracos recheados de fluidos sexuais. A vagina estupidamente distendida viu a cabeça da vítima passar por ela e se albergar no útero. O médico que realizou a autópsia pensou que a moça estivesse grávida antes de abri-la para autópsia. O que foi feito dos braços e pernas foi uma espécie de aranha. Uma obra de arte daquele insano. Nada do que ele deixou de Mariane tinha seu sorriso loiro e delicado. Os seios jamais foram encontrados, provavelmente ele tinha se alimentado deles; e dos glúteos.
Com o auxilio de um programa de computador especial, Rubens olhava mais de perto para as imagens, tentando encontrar aquela prova que sabia ter escapado. O zoom era extremo e ainda assim parecia pouco definido. Foi então que o destino lhe estendeu os braços, com uma mosca que parou no lugar certo. Rubens incomodado por ela haver defecado no monitor acabou enxergando algo além de seus pequeninos dejetos.
— Mas o quê?
Inacreditável, teria dito; se não lhe faltasse o ar ao perceber aquilo.
O desgraçado assassino estava ali. Não todo ele, mas uma cabeça ensanguentada com olhos brilhantes na escuridão abaixo do viaduto, apenas cem metros distante de onde desovara o corpo. Rubens imaginou como aquela monstruosidade se deliciou vendo os homens estupefatos com seu rastro de horror. Ele sorria na foto. Era apenas algo borrado e mal definido, mas sim... Aquilo era um sorriso. O pouco que estava visível do corpo era vermelho, coberto com o sangue de Mariane a cobrir sua identidade. Parecia olhar para Rubens, para seus olhos petrificados de pavor e surpresa. Seria aquilo humano? Seria desse mundo? Desse plano?
O inspetor não era o tipo de homem que se deixava levar por contos de terror e lendas urbanas, mas aquilo poderia mesmo ser um vampiro, mesmo um licantropo faminto por sangue. Mas por que o esperma? Por que diabos um ser das trevas sucumbindo à própria desgraça teria prazeres sexuais maculando a carne e a deixando-a sem servir-se com o alimento? Não... Aquilo era obra da pior das criaturas de Deus, da mais vil. Era algo humano. O esperma significava desprezo tratando-se de psicopatas. Para um assassino era como defecar nas vítimas. Como se seu esperma quente e viscoso fecundasse cada corpo morto com a sua tristeza. Assassinos sofriam, ele sabia. Sofriam tanto que matavam a outros para compartilhar sua dor.
Claro que Rubens se envergonhava de seus pensamentos, mas queria entender aquela besta. Para isso precisaria entrar em seu mundo, pensar como ele e sentir o que ele sentiu. Provavelmente não estava pronto para ir tão longe, mas começava integrar-se com o monstro. Seu pênis entumecido e dolorido deixava-o bem perto da criatura bestial da foto. Em sintonia. Estava incrivelmente excitado. O sangue o excitava, as lacerações, os restos de esperma sobre o corpo. Aquela escultura de carne horrenda que parecia uma aranha era tão... Sexy. Com fluidos e toda aquela gordura branca e uma vagina esculpida na junção das quatro partes.
Semiconsciente de culpa e libido Rubens caminhou para a porta de seu escritório, estava em casa. O membro estupidamente rígido já nas mãos. Trancafiou a porta e se masturbou um pouco. Olhos revirados de um prazer sem culpa como nunca experimentara antes. Então era isso que o assassino queria? Esse prazer quase virginal de poder se fartar com carne humana? E qual seria o gosto da carne? Esse pensamento encheu sua boca de saliva e ele apertou seu membro com tamanha força que a glande poderia ter explodido em sangue. Rubens se conteve e tornou a sentar-se ainda com ele em suas mãos. Seu pênis pulsava incandescente, não sentia mais sua odiosa impotência. Estava à procura de uma fenda. Se o membro fosse maior teria o enfiado em si mesmo ou o chupado como um cão faria. Nada homossexual, nada sexual, hétero ou poli. Apenas um desejo doente se se saciar.
Encontrou consolo nas imagens horrendas de Mariane. Todo aquele sangue, toda aquela dor. Ele bombeou seu pênis por dez, quinze vezes com uma força absurda e deixou-se molhar por pedaços de si mesmo. Fechou os olhos e experimentou o gozo livre de qualquer consciência. Teve medo, mas continuou. Gotas do líquido ejetado, furiosamente molharam seu rosto e ele fantasiou que fossem gotas de sangue, seu ânus palpitava doentio e ele o arranhava contra a calça e a cadeira, querendo ser... Seu rabo queimava procurando por... O que estava acontecendo ali? O que estava acontecendo com ele! Pare com isso! Esses desejos, sangue, sodomia, ganchos, pele, sangue, fezes, gritos de dor, pânico, urina e porra; pare...
Pare! — gritou.

 IV

Logo após sua sessão de prazeres, Rubens caiu num choro incontido. O que diabos tinha havido com ele. De onde surgiu toda aquela...
O que sentia agora era uma culpa terrível e dolorosa. Seu membro estava se novo morto como usualmente ficava e ele se livrava dos restos de esperma que encontrava. Não se lembrava de alguma vez na vida ter tido uma ejaculação tão farta. Por outro lado seu estômago, longe do orgulho, ameaçava irromper em vômito. O cheio clorado de esperma infestava a camisa que usou para limpar-se. Deu fim a ela ensacando-a em uma propaganda de supermercados e juntando com o lixo da cozinha. Cassandra tomava banho.
— Seu monstro — disse. Em parte para si mesmo.
De volta ao computador parecia ter recebido junto com seu acesso, com sua fúria e explosão sexual algum tipo de clarividência, uma cognição mágica. Seus olhos foram guiados para a figura esguia e ensanguentada. Dela partiram para alguém que olhava para o fotografo da polícia. Estava em um nível acima da vala onde o corpo e os restos foram depositados. Um velho, dono de um olhar que não traduzia asco ou qualquer tipo de sentimento vendo a cena. Outros curiosos que estavam ao seu lado protegiam os narizes e as bocas para evitar a inalação do ar pestilento e cheio de morte, mas não o velho. Ele apenas olhava para traz, para a direção do viaduto, desinteressado na cena do crime.
Aquele velho sabia de alguma coisa. Sabia que o Comedor de Carne estava ali.
Rubens avançou para as outras fotos e em mais duas, ali estava ele, o velho. A mesma camisa azul clarinha. Em uma das películas com uma sacola na mão, em outra com uma gaiola com uma galinha dentro.
— Esse filho da puta.
— Falando sozinho? — perguntou Cassandra. Vestia uma camisola e mais nada por baixo. Cabelos ainda úmidos e cheirando a Xampu.
— É... Assunto de trabalho.
— Mas você está em casa, amor; precisa relaxar um pouco.
Cassandra se aproximou dele. De certo modo maternal já que não esperava nada dele além de um pedido de comida. Rubens estava de costas, focado no computador. Cassandra evitava o aparelho que sempre mostrava coisas horríveis a olhos leigos em perícia. Apertou com força seus ombros.
Velho desgraçado, você está ajudando esse animal não está?, pensou Rubens.
Repentinamente sentiu seu membro outra vez latejar. Pensou que poderia de revelar mais coisas se... A coisa dentro de suas calças parecia ter vida própria. Pulsante. Dolorida como uma gangrena. Será que se ele a tomasse? Como queria, pudesse então...
Ele se levantou num salto e antes que Cassandra pudesse esboçar alguma surpresa estava com as pernas escancaradas para ele. De bruços. Sentiu algo roçar sua vagina. Estava sendo segura pelos cabelos da nuca que doía; um pouco assustada e muito surpresa.
— O que você está fazendo, amor? Vai devagar co...
— Cala a boca — disse brutalmente, colando seu rosto contra a madeira envernizada da mesa. Os olhos de Cassandra fitaram algo horrível no computador à frente então ela os fechou.
Aquilo que estava contra sua vagina parecia ter planos. Mas não em sua vagina... Queria algo que ela sempre negara para Rubens.
— Aí não, amor, você...
— Mandei calar a boca — disse. Depois um soco no rosto de Cassandra.
Aquilo a penetrou causando uma dor aguda em seu ânus. Ela o estapeou sem sucesso. Gritou e tentou arranhá-lo, mas a dor e a surpresa minaram suas forças.
Rubens começou então a penetrá-la mais e mais violentamente e ela sentiu algum sangue molhando suas cochas. Simultaneamente ao horror de ser violada sentiu um prazer estonteante, algo que se misturou à vergonha de ser estuprada e resultou em gozo. Como um animal ela urrou e com a língua para fora lambeu a madeira dura da mesa. Rubens continuou e deu-lhe mais socos. Quando decidiu que era o suficiente tomou os cabelos de Cassandra e a fez ajoelhar. Ela viu que havia sangue e alguma sujeira em seu pênis, mas obedeceu. Engoliu sangue, esperma e restos fecais sentindo-se tomada pela loucura do marido. Dominada pela insanidade.
Limpou debilmente o que escorreu pela boca e saiu sem dizer uma palavra, apenas encarou os olhos culpados de Rubens. Cassandra não precisava falar de seus pudores e sentimentos.
Apenas queria mais daquilo.
E Rubens queria o Comedor de Carne. Estava energizado agora e sua intuição era praticamente um farol numa noite de tempestade. Tudo estava claro agora.

V

Do outro lado da cidade Tito assistia a pornografia e comia carne de rato. Usualmente não matava as quintas-feiras, mas aquela estava sendo diferente. Alguém tinha prazer com o que ele fizera. Não sabia quem, mas sentia quem. Sentia que era um homem e um inimigo. Alguém que chegado o momento teria a chance de acabar com ele.
Cães uivavam procurando cadelas sangrando pelas ruas. E ele também. Sua pele queimava quando ele recusava-se a se alimentar de humanos; já começava a trincar-se, ressecada. A gordura humana repleta de toxinas servia como um lubrificante lipídico a sua pele. Passou os dedos sobre os dentes em seu pescoço. Estavam maiores e afiados. Eram dois; um pouco abaixo da orelha. Eles ficavam fluorescentes quando se excitava. Uma fluorescência avermelhada e quente. Percebia, enquanto assistia ao filme Tailandês, que seu pênis ósseo estava se descarnando mais a cada dia. Era como um chifre, aquilo. Com camadas e mais camadas, anéis de queratina que deslizavam uns sobre os outros dolorosamente e alcançando quase trinta centímetros e um diâmetro espantoso. Aquilo poderia facilmente matar alguém e às vezes ele o usava para isso, sobretudo em homens; mais ainda em homens bonitos.
Seu avô não estava ali com a carne que prometera roubar do hospital escola. O velho soltava algum dinheiro para que um funcionário desse a ele restos cirúrgicos sem muitas perguntas. Naquela noite não conseguiu fazer negócios mais cedo. O hospital estava movimentado depois de um acidente na rodovia próximo a entrada principal da cidade. O ar cheirava a sangue naquela noite e Tito estava faminto. Ele estava tão cansado de viver como um segredo sujo... Queria poder ser como os homens: fracos e sociais. Queria ir a festas e conhecer outros como ele. Quem sabe saciar definitivamente a sede que o mantinha no escuro. Poderia haver outros, por que não? Se haviam cães e cavalos, macacos e peixes e dragões de Komodo e salamandras por que não existiriam outras bestas como ele?
Animado foi até o espelho e acendeu o lampião a gás que mantinha por perto. O local era um dos viadutos abaixo da linha do trem. Um salão de concreto construído no tempo áureo das ferrovias e esquecido pela cidade. Ali Tito ficava protegido da natureza humana por uma pesada porta de metal enferrujada. Dentro havia cama, tevê e livros, dezenas. Também um pote de lixo onde ele defecava. O avô terminava por ser seu sistema de esgotos.
O espelho mostrou que os anos não estavam sendo generosos com ele. Estava pálido e com suas veias como tatuagens esverdeadas sob a pele. Por toda ela existiam ramificações. Um rio esverdeado e pulsante. Abriu e aboca e reparou que a língua começara a se bifurcar. Estava toda cheia de uma secreção purulenta onde partiu. Os olhos haviam desenvolvido uma membrana branca anteriormente, mas agora ela estava negra. Toda parte branca dos olhos permanecia oculta pela pele extra, escura como uma noite sem lua. Os dentes em seu pescoço estavam doloridos, também assim estava seu coração, carregado com dúvidas e lamentos.
Destruiu o espelho com seus próprios punhos, irritado por estar ainda menos humano. Deixou algum sangue nos cacos. Sangue negro e mal cheiroso, viscoso como um cuspe saído dos pulmões carregados de alcatrão de um fumante crônico.
Resolveu quebrar sua regra de ouro e sair da toca antes da sexta. Alguém roubara dele sua energia sexual. Podia sentir; parte de seu estoque fora sugado. Parte de seu libido extraterreno. De longe o som de garotos gritando soava convidativo. Airport era o bar. E estava tão perto que dava para sentir o cheiro do suor adolescente.

VI

De cima do palco o mundo era quase bom.
Mark estava tão louco de heroína que um incêndio pareceria uma brisa de inverno. O Airport mal iluminado estava claro para seus olhos injetados de papoula refinada. O cara que vendeu a ele avisou que era coisa da pesada. Pelo preço que cobrou era bom que fosse. Deff era um traficante de confiança. Estava com ele desde que começou com a maconha do colégio. Também era Road da banda onde tocava guitarra: The Rise Criptors.
Os braços da Gibson ameaçavam desaparecer em sua overdose de estímulos. Ele se esforçava para acertar os acordes e desviar dos agarrões das fãs em suas pernas. Para alguém bonito como ele, depois de um tempo tocando, transar com uma garota quente era como limpar a bunda depois de defecar. Normalíssimo. Mark transpirava e as gotas entravam pelo sistema de captação da guitarra fazendo as notas soarem cremosas. Pelo menos era isso que sentia. Alicia que tentava sair com ele há meses via outras coisas. Via um garoto bonito completamente drogado com os olhos mais triste que existiam no mundo. Claro que ela queria seu pênis, mas também queria ajudá-lo a se libertar daquela porcaria toda. Ele era demais para aquela banda, talvez fosse demais para o mundo.
O principal compositor da Criptors era Mark.
O garoto não parecia nada bem naquela quinta-feira. Vez ou outra tudo o que os olhos mostravam eram órbitas reviradas e brancas. Ele também salivava demais e fios de um cuspe muito branco de acumulavam nos cantos de sua boca. Quando ele tomava de volta a parte de sua consciência que copulava com a heroína, cuspia em cima da plateia. Os caras jogavam cerveja de volta e as garotas abriam a boca num frenesi quase sexual.
Seus cabelos pretos estavam empapados sobre o rosto. A calça de couro começava a sobrar nele com os quilos trocados por coca. Mesmo assim Mark era tão magnífico quando um sorriso de Madona. Os braços sem qualquer traço de gordura e o abdômen que se deixava ver pelos rasgos da camisa rasgada do Misfits. Era todo, uma pintura de Rock and Roll; diretamente da melhor cena de Los Angeles dos nos oitenta. Puro, sexy, deprimente e encantador. 
Atento alguém mais aos fundos acompanhava a performance com o mesmo interesse de Alicia, sedento pelo talento viril de Mark. Conseguia ver, mesmo a distância, os furinhos infeccionados causados por agulhas cheias de heroína. Sentiu mais sede ao ver aquelas pequenas marcas de pecado. Aquela noite seria especial. E a besta achou que merecia isso.
Tito em algum lugar de sua alma era um simples adolescente. Ansioso por experimentar da vida e de seus prazeres proibidos. O que ele tinha não considerava prazer. Seus ataques furiosos que ceifavam vidas eram apenas parte de sua dieta, inclusive seus fetiches sexuais. Ele queria mais que isso. O filho das trevas queria amor. Queria saber como era ser olhado como Mark era olhado por aquelas garotas, e até mesmo pelos garotos.
O som alto do bar incomodava seus ouvidos acostumados com o silêncio da noite quebrado apenas por gritos de horror. Recostou-se ao balcão do bar e pediu algo para beber. Vodca. Para ele era como suco de morango.
Sempre a beira do palco usando seus cotovelos para assegurar sua posição Alicia esperava pelo intervalo, sem ter nenhuma ciência do que esperava por ela.
Não demorou muito que chegasse a passagem para o segundo Set. Como era costume Mark desabou aos fundos do palco mal iluminado para tomar algumas cervejas. Lutava para manter seus olhos abertos e segurar um cigarro de menta no canto da boca. Alicia sabia exatamente como ajudá-lo. Aproveitando uma distração do segurança subiu no palco e rastejou até os fundos onde estava o guitarrista.
Ela só conseguia ver beleza naquela cena. Retirou de dentro do sutiã rendado um pequeno tubinho com coca e mostrou a Mark. Ele pediu que entregasse a ele, depois aspirou parte daquilo e ofereceu o resto a ela. Então as línguas anestesiadas se tocaram trocando salivas e promessas de uma noite incrível.
— Vamos sair daqui? — disse Mark.
— E a banda?
— A banda sou eu e eu quero você.
Alicia desamarrou seu moletom da cintura e o ofereceu para Mark. Ele o vestiu e ao capuz trocando a Gibson pela porta da rua. Ninguém o reconheceu e ele pode sair sem muita dificuldade.
— Pra onde vamos? — perguntou Alicia. Estava um pouco insegura, mas o que mais podia pedir para Deus naquela noite? Segurança? Estando com Mark? Estando com Mark, ela tinha tudo o que precisava.
— Quero você.
— Mas... Onde? 
— Quero você como um animal — disse Mark e sorriu anestesiado de heroína. Não sabia direito o que falava.
Longe de sentir-se mal ou insegura, Alicia sentiu uma umidade quente inundar seu sexo. A sensação foi tão forte, tão intensa, que causou algum torpor em sua mente. Quando voltou a si, em alguns segundos, sabia exatamente para onde levar Mark. Se ele queria sexo animal conhecia um lugar onde atrocidades sexuais eram cometidas. Onde corpos eram trocados por centavos. Linha do trem. Iria transar com ele sob os trilhos sangrentos da ferrovia até descarnar seu pau. O lugar mais sujo, punk e sexy que existia na cidade cinza.

VII

Luciano detestava seu emprego. Não era bom cuidar de resíduos em um hospital. Sobretudo numa noite onde fios de sutura somavam quilômetros. Aquela já era sua terceira incursão até os contêineres de lixo e o turno estava apenas começando. Pouco mais de meia-noite.
— Ei! — gritou o vigia causando um sopro no coração de Luciano. Ele olhou para trás, ofegante com o susto.
— Puta merda, Matias, quase me mata de susto, porra.
— Tem um cara querendo falar com você — respondeu o segurança.
— Diz que eu tô ocupado, cacete. Desse jeito não consigo limpar a sala dos “magnatas”.
— Ele é da polícia.
Luciano atirou a sacola em suas mãos para dentro da caçamba e deu um longo suspiro.
— Merda... — disse, e tomou o corredor até a recepção. Tentou se controlar com algumas respirações forçadas. Oxigênio sempre ajuda a esfriar o sangue.
— Senhor Luciano? — perguntou o policial. Tinha um ar bem pouco humorado. Parecia estar tendo uma noite pior que a dele. Olhos vidrados. Não gostou nada quando viu aqueles olhos no rosto de um policial. Luciano tinha diversas atividades escusas no hospital: tráfico de medicamentos entorpecentes, venda de equipamentos, venda de prontuários de receita especial. Como o bom rato que era, sabia de cada fatia de queijo do hospitalar. O local facilitava sendo autarquia municipal numa cidade corrupta; terra de ninguém.
— Sou eu, sim — respondeu. Propositalmente estendeu a mão suja com lixo hospitalar. Rubens a apertou com a sua suja de esperma seco. — O que posso fazer pela lei?
— Bom... Para começar quero que me diga que tipo de negócios faz com esse homem — respondeu Rubens. Mostrou a ampliação da foto do velho presente nas cenas de crime. Luciano apanhou a foto ampliada, viu a sacola nas mãos do velho.
— Vem comigo — chamou Luciano. Rubens certificou-se que sua mão direita estava no coldre e o seguiu. Voltaram para a ala de descartes. A lua brilhava no céu ajudando uma lâmpada de halogênio a fazer seu trabalho.
— O que o velho fez?
— Você o conhece ou não?
Luciano reconheceu o que trouxe o policial até ele. A maldita sacola de dano biológico. O velho a carregava como uma sacola do açougue. Displicente; pendurada em seu antebraço. Luciano jurou que se escapasse daquela lama quebraria os dentes do velho.
— Conheço sim, ele me ajuda aqui às vezes e eu dou uns trocados para ele.
— Então não vai se importar se eu confirmar isso com a administração? — perguntou Rubens. Sentiu seu sangue esquentar um pouco por causa da mentira. Claro que era mentira. Conhecia uma de longe. Os olhos do réu perdiam-se na lua tentando fugir dos dele.
— Se fizer isso vai me arranjar uma demissão. O que vai ganhar com isso? — Melhor do que responder, Rubens fez outra pergunta.
— O que exatamente você faz aqui? O quem nesses contêineres?
— Eu trabalho na limpeza — respondeu Luciano. Seco. Seguro.
— O quem nos contêineres  porra! — exasperou-se Rubens. Estava destilando adrenalina pelos poros; tão perto de por as mãos naquele maníaco imprestável. Podia sentir seu cheiro carnicento.
— Carne de gente — respondeu. Rubens sacou a arma e se aproximou rápido colando as costas de Luciano nas ferrugens dos depósitos de carne. Segurou-o numa gravata e perguntou:
— O que sabe sobre o cara da linha do trem, seu merda? Do assassino?
Com algum esforço em manter-se respirando Luciano retomou o fôlego. O antebraço de Rubens pressionava com força sua garganta. Ela doía. Sentia também algo contra sua pelves. Parecia uma... Ereção. Talvez por isso tenha decidido cooperar; depois...
— Não sei de nada cara, qual é? O velho só me paga pelos restos. Achei que ele fosse um tipo de satanista ou coisa assim.
— Como eu acho esse velho?
— Você não acha. É ele quem me procura.
— Quando? — perguntou Rubens. Luciano olhou para a lua. Não queria perder a grana do velho. Não com a prestação da moto que comprara contando com o dinheiro. O que um policial faria? Alguns socos não teriam tanto efeito assim.
Rubens ferveu de raiva e virou de costas o ajudante de limpeza, contra a caçamba de lixo humano. Sacou seu revólver e colou na nuca de Luciano. Seu rosto lambia a ferrugem do contêiner  O suor escorria pescoço abaixo. Pernas afastadas por duas bicas do policial.
— Tá fazendo o quê, cara? Tá maluco!?
Sem muito esforço Rubens desceu a calça de uniforme de Luciano expondo suas nádegas brancas. Ele quis se mover, mas a arma o petrificara. Rubens cuspiu na mão e enfiou no rego de Luciano. Arranhou seu ânus com suas unhas mal roídas e o obrigou a cheirar.
— Se não abrir a boca arrebento seu cu — disse numa voz longa e grossa, ao pé do ouvido do auxiliar de limpeza.
— Cara! Pelo amor de Deus! Para com isso! Eu conto, porra!
 O pênis de Rubens explodia em outra ereção dolorida. Ele o esfregou com o tecido entre eles contra as nádegas de Luciano. Procurava seu rabo para enterrar-se, ter algum alívio... Estava conectado com o Comedor de Carne. De alguma maneira. E de alguma maneira inexplicavelmente conseguiu controlar-se. Puxou Luciano pelos cabelos e socou seu nariz contra o contêiner  Um fio de sangue tomou o caminho até a boca.
— Seu maluco, filho de uma puta! — chorou Luciano.
— Melhor falar agora ou sabe o que eu faço com você.
— Ele vem hoje. Já devia ter vindo, mas acho que toda essa gente espantou o velho.
— Tá certo... O que vai fazer para mim é o seguinte...

VIII

Tito estava no encalço daquele garoto que tocava guitarra. Gostava de caras impetuosos, do tipo que seguem seus próprios conceitos. O mundo precisava de homens assim e também ele. Tipos como Mark tinham a carne diferente, principalmente os olhos. Eram adocicados. Os olhos e os escrotos que ele preferia comer cru eram saborosos e levemente acres como cerejas frescas.
 Uma pena aquela vadia ter aparecido, mas com a fome que estava comeria os dois. E faria uma linda escultura com as partes menos saborosas. Algumas partes das vítimas que comia in vivo tinha um sabor desagradável principalmente na pele, mais ainda se não ficassem com o pavor suficiente. As endorfinas secretadas pouco antes da morte meticulosamente preparada, davam alguma entorpecência à carne. Era como comer cogumelos selvagens e o sangue o próprio Santo Daime. A pior parte de um humano sem a ação do fogo era indubitavelmente a pele. Além de muito ruim tinha um cheiro horrível e apodrecido. O suor nervoso da pré-morte arruinava os poros. Para comer a pele era preciso matar e alimentar-se depressa e isso não combinada com a refeição erótica que gostava de ter. Seu trabalho era lento, prazeroso e orgástico.
 Há tempos que não conseguia um casal. Ainda mais um casal excitado. Tito percebia as ereções de Mark e todo o umedecimento genital de Alicia e, minha nossa! Como ela estava molhada. Chegava até as suas cochas parcialmente desnudas pela minissaia que usava. Tito sentindo o cheiro lambeu uma gota do chão.
— Doce...
Mark olhou para trás, mas a distância ainda era suficiente para dar o tempo necessário para Tito se esconder.
A linha do trem facilitava o resto.
Era toda cercada por um matagal descompensado pela falta de cuidados da prefeitura. O lugar onde ela o levava era um antigo ponto de reunião dos punks que teimavam em resistir á cidade nova. A ferrovia naquele ponto de intersecção de trilhos fornecia uma clareira. O local perfeito para fazerem amor como duas lebres. A cocaína garantia as ereções necessárias. A boca se Alicia faria o resto e ah sim... Ela sabia manter um homem ereto.
Cerca de vinte metros separavam presas de predador. Tito estava cauteloso. Sua intuição bestial dizia a ele que aquele era só o começo de sua noite de delícias. Como toda a criatura do escuro Tito sabia que noites com a luz sangrenta de cheia no céu, traziam surpresas. Estava ansioso por descobri-las.
— Que foi gatinho? — Alicia percebeu que Mark diminuiu o ritmo. — Cansado?
— Não é isso. Não gosto muito da linha. Medo bobo de criança. — Não quis dizer que cortara a perna quando pularam a murada de concreto que limitava a linha, sangrando ou não doía pouco, não deixaria um arranhão estragar a noite. Não ele, não Mark The Animal.
Alicia seduzida além de qualquer dimensão apanhou a Mark com suas mãos frias e se agachou. Ele não tentou impedi-la. Ela o engoliu rápido, ainda sem estar completamente ereto. Sentiu um gosto levemente salgado na língua e ele se inflar dentro de sua boca. Nunca havia feito aquilo de maneira tão rápida, de repente não se importava mais com o que diriam dela.
E o cheiro de Mark que era tudo o que esperava. Sexy e jovem. Delicioso.
Logo estava com tudo pronto arrancando gemidos insanos enquanto ele aspirava mais um pouco de coca. A lua divertia-se com eles. Os trilhos se animavam e estalavam a cada bombeada cheia de saliva de Alicia.
— Se quiser ficamos por aqui — disse olhando para ele com olhos borrados de Pierrô. A boca estava também borrada, de marrom escuro. Mark se apaixonava por aquela garota. Talvez fossem as drogas, ou a lua que pintava o céu de índigo. Ou ainda toda a pintura sexy punk que inundava seu cérebro escurecido de dor e mágoa.
A vida de Mark não fora fácil até ali. Em suas memórias tinha procurado bem mais pela morte do que pela sem-graceza da vida. Sua mãe era uma ex-modelo de sucesso na juventude que agora usava os problemas mentais para manter-se como artista plástica. Na cidade corria o boato que ela se prostituía para manter a renda alta. O pai era um figurão da rede Shell de postos de gasolina. Assumira que detestava o filho e a ex-esposa há alguns anos. Foi quanto Mark trocou o sexo, drogas e Rock and Roll pelas broxadas, guitarras caras e drogas cada vez mais pesadas. A vida de Mark era uma receita de sucesso americana e de fracasso Brasileiro. O Brasil, sobretudo na cidade cinza, gostava de menosprezar o talento. Passatempo nacional.
Distante dali apenas algumas dezenas de metros, a parte humana do sangue de Tito pagaria sua conta por ajudar um demônio.
— Não entendo por que não deixou minha encomenda pronta como sempre.
— Muito movimento, seu Osmar. Esse acidente acabou com o meu turno.
— Percebo — disse o velho. — Não lembro de ver tanta gente saracoteando por aqui. Quase que eu nem entro.
Osmar estava elegante naquela noite. Calça de tergal, terno do mesmo tecido, gel no cabelo irrepreensivelmente esticado pata trás. Barba feita com todo o cuidado para deixar um fino bigodinho muito reto. Havia também alguma tinta no cabelo que estava preto. Luciano desconfiou que o velho sabia estar sendo procurado pela polícia. Erradamente.
O motivo do velho estar tão apresentável e da tinta no cabelo chamava-se Lola. Uma senhora da mesma idade dele cujo fogo se recusara a apagar. Conhecia Osmar por ser dona de um canil de vira latas. Vez ou outra o velho ia até lá e apanhava um dos cães grandes que ninguém gostava de adotar. Evidentemente que ela não sabia que ele alimentava o neto com os cães. Na última visita botou o velho para dentro. Da casa e dela. Sem jeito, Osmar aceitou um comprimidinho azul que ela lhe deu e sentiu parte de seu vigor de volta. Martelou a velha por duas vezes naquela noite. Possivelmente a machucara um pouco na introdução do membro, não era fácil driblar a secura dos setenta anos e o comprimidinho azul fazia pouca diferença para ela. Essa noite pretendera levá-la a um clube de dança da cidade, mas uma cólica de rins tratou de impedir o desfrute. Resolveu ocupar-se em conseguir a refeição do neto antes de voltar para sua casa. Só tinha uma coisa capaz de fazer que Osmar se esquecesse do Neto. Lola.
— Você sabe que eu não gosto de entrar nesse chiqueiro — disse o velho. Estavam mais uma vez perto das caçambas com carne de gente.
— Venha até aqui seu Osmar — disse Luciano.
Antes que o velho pudesse ver seu agressor, estava com as mãos para trás. A artrite causava estalos nos braços nada acostumados ao esforço.
— Luciano, o que tá acontecendo aqui?
— Cala a boca, velho imundo. Cadê o assassino que come a carne desse açougue — perguntou Rubens. Estava de tocaia esperando o velho. Luciano frouxo demais para encarar a brutalidade da polícia, entregou o serviço.
— Seu filho de uma égua — disse para Luciano. Olhos apertados e enrugados de raiva. Não só isso. Era decepção. Homens de verdade não faziam isso nos bons tempos de Osmar. Homens morriam antes de terem seus segredos roubados.
— Vocês resolvem agora, tenho serviço a fazer. — Luciano saiu depressa pelo corredor bem iluminado.
— Tá certo, agora somos eu e o senhor. Cadê o vagabundo?
— O senhor tem ordem pra bater num velho?
— E sou a ordem seu calhorda alimentador de assassinos. — Chutou a virilha de Osmar. O velho caiu sem fôlego. — Agora qual é a sua relação com o monstro?
— Tenha calma, sim. Estou cansado dessa vida, tanto quando você. — Estendeu a mão. Rubens a apanhou e ajudou o homem. — Não precisava ter feito isso — disse o velho dolorido pelo golpe.
— Eu acho que sim — respondeu. — Agora me conta o que sabe.
— O garoto não é nenhum monstro. Não é culpa dele. — Osmar parecia entristecido em contar sua história. Talvez com alguma culpa de entregar um velho amigo. Não sabia mais como agir com um neto assassino. O bom senso havia sido deixado para trás há muito tempo.
— Garoto?
— Ele e só um rapaz azarado, delegado.
— Não sou delegado. Pode me chamar de Rubens. E que história é essa de azarado?
— Ele nasceu assim; endemoniado. O senhor já deve ter ouvido alguma coisa sobre isso, sobre a criança demônio.
— Não acredito nessa merda.
— Melhor acreditar se quiser falar com meu neto. Ou vai se assustar. Ele não é um homem como eu e você. Ele é diferente. Sempre foi. E tem a fome.
— Como o senhor pode fazer isso? Dar carne de gente para esse animal!
— É para ele não voltar a matar que faço isso. Eu não concordo que ele mate as pessoas, mas quando a fome vem e os dentes dele começam a brilhar... Minha nossa! O que eu nome de Deus eu podia fazer?
— Chamar a polícia porra! — exaltou-se Rubens.
— Pra quê? Não vão conseguir construir uma cadeia que o prenda. Não conseguiram fazer isso quando o pai dele andou pela terra.
— Pai?
— É... O demônio, merda. O diabo ou como quer que chame o princípio da maldade. Ele é o pai do garoto. A mãe o padrasto foram mortos por meu neto. Mais gente foi assassinada depois, mas como meu pai dizia: se você mata pra comer não é crime e ele sempre mata para comer.
— Seu velho burro! Ele estupra as vítimas, e ele... Ele profanou cada corpo que consumiu.
— Nem todos. Só os que ele despreza. Ele não gosta de gente bonita. Parece que ofende ele por ser... Por ser do jeito que ele é. E nem me peça para dizer como é porque só mesmo o senhor vendo pra saber.
— Você vai me levar até ele velho. Essa noite.
Osmar não tentou fazer com que Rubens mudasse de ideia. Estava cansado de ser o adestrador daquela besta. Viu sua família e sua vida se desmantelarem enquanto o outro ganhava corpo. Rubens não estava convencido das palavras do velho, mas ansiava em ver quem era aquele verme que tirava seu sono há anos. Queria a glória de acabar com ele e de exibi-lo como um tubarão amarrado com ganchos na bunda. O velho seria uma boa barganha. O único parente vivo daquela fúria assassina, achava que teria uma boa chance de pegá-lo com vida se usasse o velho como isca.

IX

A decisão de caminhar mais um pouco foi de Alicia. Tinha a impressão de estar sendo observada. Mark também, mas em um local como a linha, era de se esperar esse tipos de reação. Não era um lugar bonito e muitas vezes os trilhos eram usados pelos traficantes da cidade para se livravam de seus desafetos. A linha além de dividir a cidade no meio deixava um de seus pés no passado. Um momento no tempo onde o ferro e os vagões levavam progresso e não restos de metal reciclado.
— Tem alguma coisa errada — disse Mark.. Haviam avançado coisa de cem metros. A clareira já era visível.
— Calma, gatinho; estamos quase chegando. Garanto que faço valer a pena.
— Maluca... Já tá valendo — respondeu Mark, beijando-a enquanto sorria. Sentia um pouco de dor por um corte aberto na perna enquanto se aventuravam, mas aguentava firme. Ainda perdia algum sangue.
Logo chegaram. Como sempre menos de vinte passos separavam o inferno do paraíso.
A clareira ficava linda com o brilho da lua. Nenhum traço de civilização apesar de estarem ainda no meio da cidade. Aquele trecho era escavado entre duas formações íngremes e era proibido construir ali; dos dois lados. O local também era evitado por pedestres por não ter rotas de fuga. Se viesse um trem não havia tempo de avançar ou retroceder até a próxima passagem para fora da linha. A saída era manter o sangue frio e se jogar-se contra a encosta, mas poucos desafiavam o velho trem. Preferiam manter distância. Alicia aproveitou a luz da lua para tirar suas roupas. Mark continuava encantado.
Estava maluco com Alicia, mas quando viu seus seios... Ele perdeu o resto da razão. Eram os seios mais bonitos, grandes e duros que ele já tinha visto. Ela continuou e tirou a pequena saia. Nada por baixo a não ser seus pelos rentes a pele sobre a vagina pequena e apertada. Aquela garota era o sinal que Mark pedia todas as noites para sair de sua vida suicida. Ela era linda. Seus cabelos pretos balançavam com o vento que deixava a temperatura agradável e fresca. Mark ainda vestido foi até ela e passou as mãos sobre seus seios. Sugou seus mamilos com alguma força. Ouviu em gemido fino e carregado de prazer. Depois desceu as mãos ultrapassando a briga e encontrando a umidade selvagem da parceira. Em segundos estava pronto. Rígido; com uma ereção adolescente e pulsante. Tirou sua calça de couro e estava nu por baixo dela. Ambos estavam. Alicia pulou sobre ele e o colocou para dentro ainda de pé. Gemeu alto quando conseguiu. Mark também gemeu e sentou-se sobre a calça atirada ao chão. Os movimentos eram lentos e profundos e seus corpos se deliciavam um no outro. As bocas se encontravam num frenesi devastador para a consciência, mas quem precisa de consciência quando se faz amor?
Os movimentos se tornaram mais bruscos e fortes. Arranhões quadricularam as cortas de Mark que pressionava suas unhas curtas perigosamente próximas ao ânus de Alicia. Ela entendeu e antes que ele tentasse se justificar trocou o membro de Mark de lugar. Dessa vez os gemidos esvoaçaram pequenas aves de dentro do mato alto que delimitava a clareira. Um cão uivou distante e Alicia fez o mesmo. Mark estava de olhos fechados, entregue àquele frenesi de sexo. As contrações de Alicia aumentaram até que ele sentiu um pouco de dor, seus gemidos pareciam abafados e suas mãos às suas costas perdendo a força. A sensação aumentou e ele pensou estar tendo outra viagem pela dose pesada de heroína quando sentiu algo quente banhando seu corpo. Mark não queria, não pretendia abrir os olhos e arriscar aquele frenesi, mas a umidade sobre seu tórax e o relaxamento de Alicia... de repente pareceram estranhos demais e... Aquele cheiro de ferrugem...
Sangue quente e fresco jorrava pela garganta aberta de Alicia. Num esforço débil ela tentava articular alguma coisa enquanto a fonte de sangue continuava a esguichar descontroladamente seu liquido vital. Mark num vislumbre hediondo pensou que ainda estava dentro dela enquanto tudo acontecia. Teve um orgasmo inesperado e vergonhoso antes de deixá-la cair. Seus olhos concentrados em todo aquele espetáculo de horror focavam apenas na vítima enquanto o culpado também nu aguardava contendo seu delírio. Mark entrou choque, sentou-se e pôs-se a chorar enquanto a criatura hominídea se fartava com algum sangue de Alicia. Ele fazia ruídos enquanto se chafurdava na garganta da pobre mulher. Depois arrancou com as próprias garras algo de dentro do buraco aberto no pescoço e comeu. Mark quis vomitar, mas só conseguiu olhar aquele para quadro horrível, com medo e vergonha de si mesmo. Vergonha do prazer que a morte dera a ele com um último brinde.
Pelo trilho dois outros homens se aproximavam seguindo como vampiros as gotas de sangue deixadas por Mark.
— Se você der um pio eu te mato, velho!
— Você vai morrer de qualquer jeito; eu também quando ele me vir com você.
— Tá, mas fique quieto — disse Rubens sacando a arma.
Chegaram um pouco mais perto. O velho à frente e Rubens recuado usando-o como planejado. Como um peixe pequeno e mal cheiroso que atrai tubarões.
— Merda, o que ele está fazendo?
— O que você acha policial? Meu garoto está com fome, você não me deixou alimentá-lo — sorriu num riso de velho, carregado de pigarro.
Mesmo com a luz erma provida pela lua Rubens pode ver a criatura. Também o avô pareceu surpreso. Ele estava ainda menos parecido com um humano. Semanas pareciam anos para Tito.
— O que é aquilo no pescoço do desgraçado?
— Dentes. Os dentes de seu pescoço brilham quando ele está excitado.
— Droga! Ele está... Está comendo um corpo! — gritou Rubens quando viu a besta erguer um tolete de carne à luz da lua antes de enfiar na boca. — Rubens vomitou e agarrou o velho pelo colarinho nas costas da camisa.
— Pare com o que está fazendo, desgraçado! Ou para, ou eu mato esse velho!
Tito olhou para trás, viu seu agressor e apontou o dedo com indicador com uma longa e pontiaguda unha para sua frente. Só então Rubens viu Mark. — Que merda! — disse. A coisa continuou a mastigar a primeira vítima. O policial se aproximou mais.
— Eu vou matar seu avô, seu desgraçado! Tá me ouvindo!
Soturnamente Tito colocou o pedaço que comia sobre o tronco nu de Alicia e postou-se de pé. O tronco convulsionou como um rabo de lagartixa.
— Pare aí mesmo! — disse Rubens. Mas estava paralisado. Não exatamente por medo ou horror. — Você é magnifico — disse, afrouxando o velho. O homem correu para seu neto.
A criatura estava com quase dois metros de altura. Possuía além dos dentes de cinco ou seis centímetros escapando pelo pescoço, outras queratinizações em forma de chifres. Todas simétricas, paralelas. De sua lombar saía um rabo avermelhado e rápido. Parecia afiado a ponto de facilmente arrancar a perna de um homem. Tal qual faria uma calda de crocodilo. Seus olhos às vezes brilhavam avermelhados e noutras mostravam-se interinamente negros.
Tudo na criatura banhada com sangue inocente chamava a atenção de Rubens, mas principalmente o pênis Aquela coisa óssea que pingava secreções e deveria parecer repugnante e, no entanto, era...
— Perfeito. Você é perfeito — disse.
— Eu não queria trazê-lo aqui filho, eu...
Com a velocidade de uma rajada de balas a cauda decepou a cabeça de Osmar que caiu ao lado de Mark assegurando seu pânico. O corpo permaneceu desprezado. A criatura caminhou na direção de Rubens. Ainda nua e vermelha com o sangue de Alice que se recusava a coagular. Tito chegou bem perto e o encarou, Rubens firmo as mãos em sua arma. A besta apanhou-o pelo pescoço e o levantou alguns centímetros do chão. O policial ergueu a arma, exibiu-a e atirou para longe.
— O que você quer? — perguntou Tito. A fúria de mil demônios escapava por sua saliva bolhosa e avermelhada.
— Você... Quero ser como você — respondeu Rubens. Mal conseguia falar com toda aquela pressão em suas cordas vocais. A besta o aproximou de seus olhos, sentiu sua respiração e enfiou sua linha bifurcada na boca de Rubens. Ela serpenteou lá dentro procurando por verdades e mentiras.
— Você diz a verdade, mas não pode ser como eu. A não ser que seja a mãe de meu filho. Preciso de um filho e a mãe deve ser alguém tão vil quanto eu e minha descendência. Deve ser gerado onde sai o que é de pior nos homens.
— Eu... — Rubens olhou para o pênis ósseo da coisa que palpitava, imenso, mortal. — Aceito.
Tito o abandonou e deixou-o de joelhos. Foi até Mark e o trouxe para perto.
— Assista o que merece o homem — disse. Estava mais maduro, potente. Tito estava se tonando um demônio de primeira linha, afinal. Planejava fazer de Mark sua concubina, mas nada melhor que alguém que se sujeitasse a ele como diziam as profecias. Nada melhor que um amante para a besta; seduzido por sua indecência. Alguém como Rubens; vindo do lado oposto.
O policial arrancou suas calças e as atirou para longe. Depois entreabriu as pernas, lívido de desejo; escorou-se em uma das encostas. Seu pênis também palpitava, mas bem menos que o da besta. Tido aproximou-se enquanto Mark fechava os olhos e abraçava os próprios joelhos. Rubens sentiu sua respiração rescendendo a algo etílico e ao mesmo tempo algo podre invadiu o ar que era seu. Depois sentiu suas garras pressionando seu ombro com força descomunal. Primeiro o direito, depois o esquerdo. Mark olhava para tudo aquilo pensando estar tendo uma overdose.
Rubens apertou os olhos premunindo o que viria a seguir.
Algo entrou dentro dele. Algo o invadiu e rompendo músculos até chegar onde queria. Ele gritou e tentou se livrar arrependido, mas a coisa era forte demais. E ela o bombeou. Ela o estocou com tamanha violência que sangue e fezes escorreram por suas pernas. E o filho da besta continuou enquanto as lágrimas antigas se forjavam em novas. Os gritos de Rubens foram se tornando breves e leves suspiros tentando não desmaiar. Então ele o deixou.
O policial caiu de lado em posição fetal chorando copiosamente. Humilhado, deflorado e mortificado. Sentir-se a pior das criaturas e a mais bela.
Então uma disposição começou a enchê-lo de um novo vigor. Sentiu num espasmo vida nova dentro dele. Estava vivo, algo vivo, um satã vivo dentro de seus intestinos. Levantou-se e encarou a besta que sorria vangloriosa.
— Você deve estar com fome — disse Tito. Estendeu um pedaço de carne de Alicia para ele.
Rubens olhou para Mark. Continuava encolhido num canto a tremer de terror.
— Se eu fizer o mesmo com ele...
— Ele terá outro filho meu — respondeu Tito. — E seu. E daquele que habita o escuro.
E Mark gritou enquanto teve pulmões. E então gerou o outro que estava escrito. As crianças comeram dos pais na hora certa e ainda vivem ali. Se alimentando e esperando o dia da ascensão. As linhas da ferrovia logo foram extintas e o território declarado patrimônio público. Ainda desaparecem pessoas por lá.
Às vezes famílias inteiras e a única que poderia contar tais horrores é a lua.
Linda e bela a iluminar dois demônios da noite.



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